Esta é uma velha história
que se passou numa indústria de, digamos, São Paulo. Uma máquina, dessas de
fazer barulho, cheia de salamaleques, engrenagens, braços mecânicos, molas,
dinamômetros e parafusos, começou a apresentar superaquecimento, lentidão
progressiva, redução de ruídos até o silêncio total. A máquina havia parado de funcionar.
Mr. J.P. Thackeray, o
dono da máquina de fazer barulho logo chamou a assistência técnica, que veio
como uma assistência técnica deve vir, equipada com os mais modernos aparelhos
para fazer variados testes de ruídos.
A máquina foi totalmente desmontada e
diversas peças, que poderiam ser a causa do problema, foram sendo substituídas.
Ao cabo de uma semana a
máquina estava novamente montada e foi ligada, diante de grande expectativa.
Aos poucos a máquina de fazer barulho, pôs-se em movimento. Logo depois o ruído
era quase insuportável, a máquina voltara a funcionar! “É música para meus
ouvidos” suspirava aliviado Mr. Thackeray.
O serviço foi dado por
encerrado, o técnico cobrou pelas peças e mão de obra Cr$ 1.000,00 (mil
cruzeiros, veja como a fábula é antiga). Mr. Thackeray quase cai de sua cadeira
de balanço ao ler a fatura, apesar do nome inglês era um brasileiro, exclamou
indignado, e fez as reclamações que se costuma fazer nessas horas, “Não pago,
isso é um absurdo, hoje em dia o operário quer ganhar tudo num só dia, etc.
etc.” Como também era de praxe, o técnico fez uma redução de 10% e a negociação
chegou a bom termo. Mr. J.P.Thackeray ficara satisfeito com sua habilidade para
fazer bons negócios, gostava de levar vantagem em tudo.
O industrial ainda
repimpava-se em sua cadeira de balanço a ouvir fazer barulho a máquina de fazer
barulho, quando percebeu a redução dos ruídos, estertores mecânicos, intervalos
de silêncio cada vez maiores, até o colapso final. A máquina de fazer barulho era
um silêncio só!
Um outro técnico foi
chamado, fez algumas perguntas sobre sintomas do desarranjo, tempo de
aquecimento, cheiros, etc. Abriu as tampas do equipamento, olhou em seu
interior, tocou em algumas peças, ligou a máquina que logo começou a se sacudir
em convulsões de epilepsia mecânica. Desligou-a, ficou alguns minutos a olhar
aquelas vísceras metálicas. Depois, tirou do bolso uma pequena chave de fenda,
enfiou-se por debaixo daquele monte de ferragens, resmungou alguma coisa
ininteligível e apertou um parafuso. A máquina foi ligada e voltou a fazer
barulhos extraordinários, O técnico ali ficou durante uma hora e como nenhuma
anormalidade aparecesse nesse período, deu por finda a tarefa. Voltou no dia
seguinte para rever a máquina, que continuava a fazer barulho incansavelmente,
e apresentou a conta de seu trabalho, mil cruzeiros.
“- Mil cruzeiros por
apertar um parafuso! E em menos de uma hora, isto é um assalto!”
Mr. Trackeray soltava
fogo pelas ventas. O técnico esperou que o incêndio se apagasse e perguntou,
apaziguador:
“- Quanto lhe cobrou o
técnico anterior?”
“- Este mesmo preço, mas
foram sete dias de trabalho! E além da mão-de-obra incluiu aí o custo das peças
novas!”
“- Pois não estou lhe
cobrando peças novas, meu caro Mr. Justus P.Trackeray. Veja os itens
discriminados da nota. Para apertar o parafuso estou lhe cobrando apenas dez cruzeiros. E novecentos e noventa
cruzeiros por saber qual parafuso precisava ser apertado”.
O industrial, depois de
uns resmungos abriu a carteira e pagou os mil cruzeiros, dando-se por
satisfeito por não ter sido cobrado pela lição que aprendera. A lição do KNOW
HOW, do saber como fazer, que não pode ser medido pela quantidade, mas
pela qualidade do trabalho.
Paulo José
Rio, 28
de JUL de 2014
Com a graça irônica dos contos tchekhovianos.
ResponderExcluirConto delicioso. Brigada, Paulo! vou adorar acompanhar seu blog, guri. Beijos!
ResponderExcluirAmo. Auto estima na pratica!
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