terça-feira, 7 de outubro de 2014




DOMINGOS 78  E  PAULO  JOSÉ 77  –  MAIS DE MEIO SÉCULO DE AMIZADE.

Neste sábado, DOMINGOS ficou um ano mais velho do que eu.  Tem sido assim desde 1963.      
Em 20 de março de 63 eu completava 25 anos de vida. Conheci Domingos, que também tinha 25 anos. Tínhamos a mesma idade, os mesmos sonhos, as mesmas inquietações. Mas com certas diferenças também.
Domingos era o carioca descolado, cheio de meninas à sua volta, comandando a noite de Ipanema, do Zepelim, do Veloso, do Castelinho até o Mario’s Inn em Copa.
Domingos era o fodão do Bairro Peixoto! (É onde nosso herói morava).
Eu chegava de São Paulo para fazer “A Mandrágora” de Machiavelli no Teatro Santa Rosa, onde acampamos, eu e o Teatro de Arena, por dois meses. A peça era um sucesso e era natural que as meninas andassem à minha volta, e à volta delas rapaces* (rapazes) sempre prontos para uma mordida. * rapace – adj. - diz-se das aves de rapina.
Domingos comandava a banda com seu ar de poeta romântico, cravo na lapela, sapato bicolor, terno de linho,  gravata borboleta, sempre a indicar, decidido, a Via Láctea, isto é, o caminho da noite. Atrás dele o já proclamado bando de garotas e eu, que logo fui incorporado a ele, o bando. Devo dizer a vocês que tinha mulher bonita para todos os gostos.
(Isto vai dito quase como um segredo. As feias que me perdoem mas beleza é fundamental.
Apenas para quem foi íntimo, vai aqui um breve memorando de garotas que floriam o jardim da praia de Ipanema: Dorinha do Ruy, Glorinha, Solanginha, Aninha do Cecil, Marieta do Gaucho, Leila, Tânia, Ionita, Gladys, e muitas, muitas outras.
Não me estenderei em maiores detalhes em nome do silêncio tácito que devem ter os rapazes. As meninas se oferecem de bom grado e prazer a quem não conta vantagens, os amigos coloridos, tão íntimos e discretos quanto primos(as) e cunhados(as). Assim como hoje se “fica”, naqueles dias felizes muito se “ficava”, principalmente quem tinha um apartamento próprio ou podia usar o ap de um amigo. Domingos tinha uma cobertura no Bairro Peixoto, podia dar grandes festas, “o que um sorriso tem que outro não tem?”, as meninas chegavam e partiam, as que ficaram viraram amigas e junto com os amigos alegram as noites aniversárias até hoje, dia 27 de setembro de 2014. Tem gente que está na conta dos amigos há mais de 50 anos.

Esta é uma data que se repete todo ano, dia 28 de setembro, dia de DOMINGOS 78 (este ano) que vem fazendo da vida um sarau literário-filosófico, driblando as dificuldades, sempre com uma surpreendente produção de mais uma peça, um romance, mais um filme, que não dá para parar!
Que venham outros saraus filosóficos, outras festas domingueiras!
Sucesso para “INFÂNCIA”, um autêntico filme do Mingão. E que ninguém me apareça afirmando que Domingos é o Woody Allen brasileiro. Daqui do alto da Gávea eu vos afirmo que DOMINGOS OLIVEIRA não é o Woody Allen brasileiro!
Tá certo, eu também gosto do Woody Allen, a comparação do Domingos com ele pode ser até um elogio, mas ignora o que o brasileiro tem de original. Como Woody Allen, Domingos tem um humor muito particular, expressando-se através de uma câmera que se movimenta com muita liberdade, em planos longos, dando mais importância  ao jogo dos atores, espontaneamente bem ensaiados do que à construção formal da imagem. Domingos e Woody Allen, um novaiorquino e o outro carioca, fazem parte da mesma família de dramaturgos e cineastas. Mas o primeiro, nos anos sessenta, já fazia um cinema que Woody Allen só começaria a fazer bem mais tarde. Quando um já filmava “Todas as Mulheres do Mundo”, em 1965, o outro escrevia seu primeiro roteiro “What’s New Pussycat” (“O Que Há de Novo, Gatinha?”) que teve Peter Sellers no papel principal e Allen como coadjuvante. E somente depois de “Edu, Coração de Ouro” (1966) e “ As Duas Faces da Moeda” (1967), somente em 69, o americano dirigia seu primeiro filme, “Take the Money and Run” (“Pegue o Dinheiro e Corra”), tendo no mesmo ano estreado no teatro sua comédia “Play it Again, Sam” (“Toca-a outra vez, Samuel”, em tradução literal portuguesa), transformada em filme na década seguinte, em 1972, aqui exibido como “Sonhos de um Sedutor”.
E como se não bastasse essa comparação, aparece-nos outro autor que Domingos parece imitar: Lars Von Trier e seu Dogma 95. Acontece que o Dogma só apareceu em 1995 e Dogmingos faz cinema com liberdade, cenários naturais, câmera na mão desde 1965, ou seja, trinta anos antes.
 É o mesmo que dizer que Domingos segue os preceitos do Dogma 95 (de 1995) desde 1965!...
Se for para fazer aproximações é mais correto aproximar nosso cinema dos anos 60 do cinema francês desse mesmo período,  Godard e seu “A Bout de Souffle” principalmente e a Nouvelle Vague de um modo geral. Lá e cá a utilização de câmeras leves, até então exclusividade do cinema-reportagem,  permitiram uma nova linguagem, dando preferência aos ambientes naturais no lugar dos cenários de estúdio, planos-sequência, iluminação com pouca ]uz artificial, improvisações, etc. Essa liberdade é que fez com que “Todas as Mulheres do Mundo”, previsto para ser um filme de média-metragem tenha se
 tornado um longa-metragem, o primeiro filme com a marca registrada de Domingos que manteria seu estilo pessoal até o recente “INFÂNCIA”.
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O filme “INFÂNCIA” tem roteiro e direção do próprio Domingos baseado na  sua peça “ASSUNTO DE FAMÍLIA”, ou “DO FUNDO DO LAGO ESCURO”, um texto da  melhor qualidade, saboroso, inteligente e carregado de afeto, como tudo o que Domingos faz. A primeira montagem foi em 1977 no Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro, com Fernanda Montenegro encabeçando o elenco, em espetáculo dirigido por mim. “ASSUNTO DE FAMÍLIA” teve uma segunda montagem em 2010, no Teatro Clara Nunes com Domingos como diretor e ator fazendo D. Mocinha, a matriarca da família, com boa parte do elenco que viria a fazer o filme em 2013.
A grande vantagem de “INFÂNCIA” é que  o trabalho dos atores vem aprofundado pela longa experiência que tiveram nas montagens teatrais, o que permitiu ao Domingos filmar planos longos, cenas inteiras com poucos cortes, dando ao filme um caráter quase documental, como se fossem pedaços de vida captados espontaneamente, num ritmo ágil e irresistivelmente comunicativo. “INFÂNCIA” é emocionante e divertido, engraçado e apaixonante.
                   Cotação: Imperdível.
                                                         PAULO  JOSÉ        04 -  outubro – 2014.